Exposição e perseguição de profesores e professoras no Brasil

Pâmella Passos, Evelyn Morgan e Amanda Mendonça, pesquisadoras do projeto “Educadores são defensores” do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), nos falam sobre o impacto preocupante que o avanço conservador está tendo na educação brasileira e os ataques que aqueles que pesquisam e ensinam a partir de uma perspectiva crítica estão sofrendo cada vez mais. Elas também destacam o uso cada vez mais frequente das redes sociais como uma ferramenta para expor, perseguir e assediar professores. As pesquisadoras destacam a importância de tornar esta situação visível e de tornar os pesquisadores e educadores conscientes de seus direitos.

Contato: praticasdeensinodh@ifrj.edu.br

Website do Projeto: https://portal.ifrj.edu.br/educadores-defensores

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Logótipo do projecto “Os educadores são defensores”

Nos últimos anos no Brasil tem aumentado as denúncias e relatos de educadores e pesquisadores que sofrerem ataques e intimidações de todo tipo devido a sua prática profissional. Quais são as características destes ataques, suas causas/motivações?

Primeiramente gostaríamos de agradecer a oportunidade desta entrevista. Achamos muito importante a criação de uma rede de académicos em risco. Esta é uma iniciativa fundamental para dar visibilidade as violações sofridas, ao mesmo tempo que aproxima pessoas, criando uma rede parcerias.

Cabe pontuar que este aumento na perseguição docente é concomitante ao avanço conservador no país que vem ocupando postos chave na política brasileira. A saber, poder legislativo e poder executivo nas diferentes esferas (municipal, estadual e federal).
No que tange as características destes ataques destacamos o alto poder da mídia e das redes sociais na disseminação e reprodução de denúncias e acusações a professores e pesquisadores que, no exercício de seu trabalho são chamados de “doutrinadores”.
Para compreender a perseguição que estamos falando é importante ter ciência que, o que está em jogo é uma concepção de educação e pesquisa. Afirmamos aqui, como nos aponta o educador Paulo Freire, que não há educação neutra, tão pouco ensino neutro. Em sua famosa lição, Freire afirma que não basta ler mecanicamente a frase “Eva viu a uva”, é fundamental compreender a posição que é Eva ocupa em seu contexto social (Ver vìdeo Eva viu a Uva aqui )

Compreendemos que conjuntamente com interesses de uma pauta moral conservadora, há fortes objetivos econômicos nesta ação que tem por meta a desqualificação da educação pública (Universidades, Institutos e Escolas), abrindo espaço para o setor privado. O mecanismo usado é acusar de balbúrdia a produção de conhecimento crítico e socialmente referenciado. Propõem-se assim uma educação pautada pelo treinamento, sem reflexão, reprodutora de conteúdo.

Assim, praticantes de uma educação comprometida com combate às desigualdades sociais, educadores e pesquisadores vem sendo perseguidos, sobretudo através de filmagens e divulgação de suas aulas e materiais sem consentimento prévio e descontextualizados. Ressaltamos aqui o mecanismo de exposição adotado por esse tipo de perseguição. Postar nas redes sociais trechos de aulas e palestras, fotos de avaliações e exercícios de forma descontextualizada tem se desdobrado em adoecimento físico e mental de trabalhadores da educação, bem como, em alguns casos demissões.

Como exemplo, podemos citar casos em que responsáveis de alunos afirmam não aceitar que seus filhos aprendam determinados temas previstos no currículo escolar como evolucionismo ou ditadura. Nesses casos, há desde um modelo de notificação extrajudicial elaborado e divulgado pelo Movimento Escola Sem Partido (MESP) até a filmagem, sem autorização do espaço escolar e dos docentes envolvidos.
Recentemente realizamos um levantamento em reportagens de domínio público sobre a perseguição a educadores no Brasil. O levantamento feito pela internet abarcou o período de 01/01/2018 a 21/05/2021 e iniciou com a definição das palavras-chave que seriam utilizadas na busca: “perseguição”, “doutrinação”, “escola sem partido”, “material didático”, “homeschooling”, “educação domiciliar” e “PNLD”.
Além desse método, as mesmas palavras foram buscadas em sites de sindicatos de professores e servidores públicos por todo o país. Somando a pesquisa realizada através dos filtros acima descritos, também realizamos um acompanhamento de sites de sindicatos, professores e servidores públicos no Brasil, bem como acompanhamento de perfis nas redes sociais que se caracterizam pela temática de nosso levantamento.

Como resultado encontramos 54 reportagens que comprovam a perseguição de professores defensores dos direitos humanos no Brasil neste período. Deste total, 20 reportagens estão concentradas nos primeiros cinco meses de 2021. Das 34 matérias restantes, 10 foram em 2018, 13 em 2019 e 11 em 2020. Observamos com isso que o ano de 2021 está sendo marcado por uma crescente desta perseguição.
Outra característica importante que desejamos destacar é como esta perseguição afeta de maneira diferente os distintos seguimentos de profissionais da educação. Professores e pesquisadores Universitários em geral possuem maiores salários e possibilidade de viagens para intercâmbio e/ou bolsas de estudo. Na educação básica o quadro é outro. Segundo o Censo de 2020, são 2.189.005 docentes na educação básica brasileira. Deste universo 593 mil atuam na educação infantil, sendo 96,4% do sexo feminino. O ensino fundamental conta com 1.378.812 docentes, sendo 88,1% do sexo feminino. No ensino médio o número de professores é de 505.782 e 57.8% são do sexo feminino. Ou seja, a educação básica no Brasil é majoritariamente composta por mulheres e são elas, o alvo desses ataques e perseguições, muitas vezes sem conseguir dar visibilidade as violências sofridas.

Na opinião de vocês, quais são as consequências deste contexto de hostilidades e restrições, tanto para aqueles que são diretamente afetados como para a sociedade brasileira?

Como consequência direta deste contexto temos um processo de perda de liberdade de cátedra com impacto direto na garantia de uma educação democrática e promotora de direitos. Tal impacto não é apenas sob a vida dos educadores diretamente afetados e seus familiares, a perseguição docente tem um desdobramento direto na qualidade do ensino fornecido. A sociedade perde, pois há um risco para a prática da educação crítica ofertada pelas instituições. Acuados e com medo, muitos profissionais não tem condições de abordar de forma adequada seus componentes curriculares, especialmente se trabalham em instituições privadas e a possibilidade de perder seus empregos é maior, prejudicando gerações que terão acesso a uma educação censurada.

Vocês estão realizando o projeto de pesquisa “Educadores são defensores”, poderiam nos dizer como surgiu a ideia e do que se trata?

O Grupo de Pesquisas em Tecnologia, Educação e Cultura (GPTEC) no qual atuamos no IFRJ já vinha, através de pesquisas individuais, investigando o impacto do avanço conservador na educação brasileira. Nesse sentido, fomos observando que tal movimentação se trata de um processo orquestrado de desdemocracia em curso, bem como do desmonte da educação pública de qualidade no país.
Em paralelo a esse contexto o crescente ataque as defensoras e defensores de direitos humanos no país, fez com que três pesquisadoras do grupo, em momentos distintos, participassem de algum programa de acolhimento para defensores em risco. A partir desta experiencia concreta decidimos analisar a possibilidade de criar um programa de acolhimento no Brasil voltado para professores em risco.
Compreendendo que educadores são defensores dos direitos humanos e como tal estão sendo perseguidos, aprovamos o projeto “Educadores são defensores dos direitos humanos: um estudo de viabilidade para a criação de um programa de acolhimento no IFRJ”. O projeto é financiado pela Protect Defenders, um mecanismo da União Europeia criado para proteger defensores de alto risco que enfrentam situações difíceis em todo o mundo.

Através da coleta de dados de domínio público, entrevistas com outros programas de acolhimento e aplicação de questionários online pretendemos verificar a demanda para criação de um programa de acolhimento no Brasil voltado para educadores em risco. Outro ponto importante do estudo de viabilidade é identificar os recursos financeiros e humanos necessários para criar um programa com estas características, bem como verificar se o IFRJ tem condições de fazê-lo.

Quais seriam os principais desafios na procura de estratégias de apoio a professores e investigadores em risco no Brasil?

O contexto conservador que o país vive hoje, com líderes propondo projetos de lei contra a liberdade de cátedra, autoriza ações de coação e intimidação dos educadores nas instituições e salas de aula. Afirmar que há liberdade de cátedra não é suficiente, um ponto importante é garantir que os professores saibam que uma comunicação extrajudicial não tem valor, por exemplo, que conheçam grupos, redes de educadores em que possam buscar apoio e informações sobre a legislação que os ampara. Logo, em nossa hipótese um grande desafio é conseguir dar visibilidade a perseguição as professoras e professores em curso no Brasil hoje, comprometendo a sociedade como um todo, e também a solidariedade internacional, com o fim desta situação de violação. Desafiador é fazer com que os educadores se vejam como defensores dos direitos humanos e percebam as pequenas violações que vem sofrendo cotidianamente.